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OBJETO
DE DESEJO
É com orgulho e alegria que louvamos a iniciativa da editora Libretos pela nova publicação de A divina quimera, de Eduardo Guimaraens. Como acréscimo, esta edição traz documentos que integram o acervo do poeta, os quais nos conduzem a um passeio pelo momento em que vivia em 1916, como as cartas entusiasmadas sobre a próxima publicação de sua Divina chimera (nome da edição original), então no prelo; o rascunho do poema composto a bordo do Paquete Itapura que o levava ao Rio de Janeiro; os retratos da época, seu e de sua musa, Etelvina Barreto; a capa da edição da obra daquele ano e imagens do volume da prova do autor.
A pesquisa realizada no acervo e em publicações daqueles anos, bem como em trabalhos dedicados à sua vida e obra, nos permitiu visualizar o caminho então trilhado pelo poeta.
Eduardo, então com 24 anos, usufruiu uma produtiva temporada no Rio de Janeiro, enquanto acompanhava a produção editorial do seu livro. Colaborava em jornais e revistas e estudava o sistema de catalogação da Biblioteca Nacional, para ser adotado na Biblioteca Pública de Porto Alegre, da qual era vice-diretor – e onde trabalhava desde outubro de 1913.
Desfrutando a efervescência cultural pré-modernista da Capital Federal, Eduardo conviveu com importantes nomes da literatura, da poesia e da arte em geral, como o notável pintor e desenhista Lucílio de Albuquerque, professor na Escola Nacional de Belas Artes. Nesse período, Lucílio retratou Eduardo e Etelvina, ela em fevereiro de 1917 – provavelmente a partir de fotografia –, que fazem parte do Acervo Eduardo Guimaraens*. Duas cartas, que reproduzimos nesta edição, testemunham o processo de composição do livro. Na primeira, de outubro de 1916, ele fala de sua viagem de Porto Alegre ao Rio de Janeiro, lamenta por não ter conseguido, como pretendia, trabalhar no livro e menciona a revisão que Etelvina havia feito, aduzindo que concordou e decidiu suprimir os versos que ela indicou.
Na segunda carta, dirigida a ela, expõe detalhes da edição e elogia o trabalho que o Correia Dias desenvolvera para o livro. Além da vinheta de ex-libris, o artista luso-brasileiro criou a ilustração Cor Ardens, para a capa da Divina chimera. Importa lembrar que Correia Dias foi um dos introdutores da visão estética que desencadeou o Modernismo. Era ilustrador da revista Fon-Fon! e ilustrou livros de Cecília Meireles, então sua esposa.
A crítica da época saudou o livro de forma elogiosa. Por exemplo, no Rio de Janeiro, o jornal O Paíz do dia 4 de dezembro de 1916, na segunda página, anuncia o seu lançamento e o elogia como “O acontecimento literário de hoje”.
Atestando a boa acolhida da obra, de volta a Porto Alegre, em abril de 1917, Eduardo escreve ao amigo Felipe D’Oliveira, poeta e parceiro que então morava no Rio. Conta que dos 400 exemplares impressos, os 200 (ou 220, ele não recorda) que trouxera se esgotaram. Pede-lhe que envie mais 100 dos exemplares que se encontravam na gráfica Oficinas Apolo. E que os restantes fossem destinados às livrarias do Rio. Felipe guardou esta carta, que hoje se encontra no acervo cultural do Município de Santa Maria.
Ainda naquele ano, em setembro, Eduardo dedicou à sua musa a prova do autor que encapara em couro, na qual inseriu a vinheta de Correia Dias em metal – capa que reproduzimos na presente edição. O volume integra o Acervo de Eduardo.
Em dezembro de 1921, Eduardo e Etelvina se casaram. Em 1922, ele assumiu a direção da Biblioteca Pública. Seus filhos Dante Gabriel e Carlos Rafael nasceram, respectivamente, em 1924 e 1926.
Eduardo pretendia publicar uma segunda edição do livro, mas infelizmente faleceu antes de poder fazê-lo, em 13 de dezembro de 1928. Dezesseis anos após a sua morte, sob o título A divina quimera – edição definitiva, a Livraria do Globo editou o impressionante trabalho de Mansueto Bernardi, poeta e escritor, amigo e parceiro de Eduardo. No prefácio “Vida e obra de Eduardo Guimaraens”, Mansueto traz seu testemunho pessoal, narra seu primeiro encontro com Eduardo, a relação do poeta com a família de Etelvina, bem como os laços que se criaram com o pintor Lucílio e sua esposa, Georgina Albuquerque, durante a estadia no Rio de Janeiro. Sobre a obra, que se enlaça com sua vida, traça um verdadeiro ensaio sobre a poesia de Eduardo, a relação com os mestres e sua impressionante cultura, evocando o testemunho de grandes escritores da época.
Mansueto republicou os poemas da Divina chimera de 1916 e reuniu grande parte da obra poética que permanecia inédita. Em nota do posfácio, Mansueto esclarece:
A Divina quimera é reproduzida quase na íntegra, tendo-se observado apenas duas ou três alterações feitas pelo próprio autor “para a segunda edição”.
Comparando o texto da edição de 1916 com a de 1944, localizamos as alterações referidas. A primeira aparece já no Prelúdio. O texto original diz:
Como dorme uma dor, calmo, o teu corpo dorme.
Olvidaste a tortura imensa do sorriso
triste, mas da ilusão de um desalento enorme,
ora que, sobre a paz do teu leito impreciso,
como dorme uma dor, calmo, o teu corpo dorme?
O verso é substituído da edição de 1944 por:
Tal num sonho de amor que se dilui sereno,
esqueceste a carícia rósea do sorriso
e a tua boca sente o acre sabor terreno
de uma desilusão no destino indeciso,
tal num sonho de amor que se dilui sereno.
A segunda alteração se encontra na primeira parte do livro, na terceira estrofe do segundo poema, onde constatamos a alteração na ordem dos versos. Em 1916:
Doçura de estar só quando finda o festim!
(E a saudade, acordando as vozes que se calaram!
E os candelabros que, olvidados, se apagaram!
E os lustres de cristal! E as teclas de marfim!)
Na publicação de 1944:
E os lustres de cristal! E as teclas de marfim!)
E os candelabros que, olvidados, se apagaram!
(E a saudade, acordando as vozes que se calaram!
Doçura de estar só quando finda o festim!
Também há pequenas alterações de forma, que consistem em espaçamento diferentes e separação de estrofes.
Mas aquela não seria a edição definitiva.
Marcando a passagem dos cinquenta anos da morte de Eduardo, em 1978, o Instituto Estadual do Livro – IEL publicou a sua edição da obra. Na introdução, “O canto nostálgico de Eduardo Guimaraens”*, Lígia Morrone Averbuch nos aproxima da poesia simbolista no mundo e como ela foi acolhida aqui, entre Eduardo e seu grupo, em Porto Alegre. Essa edição reproduziu o texto póstumo, publicado por Mansueto Bernardi.
Agora, em nova edição, a partir do trabalho do IEL, a Libretos reproduz o texto original de 1916 – da prova do autor e do livro publicado –, trabalho acompanhado por Eduardo. Busca-se, assim, resgatar esta obra notável tal qual seu autor a concebeu originalmente e a trouxe à luz, com a intensidade de seu talento poético, a um tempo particular e universal.