Com linguagem despojada e criativa tecendo uma história escrita com técnica e ritmo cinematográficos – e na perspectiva de uma pequena Macondo a que chamou Remanso –, Jurandyr Noronha traça em Bravos companheiros um amplo painel dos acontecimentos que marcaram o século XX. O recurso da montagem paralela, cujas cenas compõem uma obra mista de documentário e ficção, ajuda também a encantar o leitor com a poesia que evoca os grandes momentos do neorrealismo italiano.

Bravos companheiros dispõe a sua trama no dia a dia dos personagens modestos de uma pequena cidade do interior do Brasil superposta sobre os fatos mais dramáticos que marcaram a história do país e do mundo no século passado. Estes dois planos são entrelaçados num tecer literário em que é dada ao leitor a possibilidade de ver as cenas e vivenciá-las como se fosse ele próprio testemunha da ação.

Uma noção moderna cada vez mais presente no mundo acadêmico considera que a história dos fatos, das ideias e das criações humanas ampliam sua dimensão quando analisada através de lugares e personagens símbolo observados nos momentos que os estudiosos chamam de ruptura, quais sejam aqueles acontecimentos que instauram novas realidades ou mudam a direção das coisas. Neste livro estão presentes personagens que protagonizaram esses momentos históricos, como Washington Luiz, Getúlio Vargas, Santos Dumont, Juscelino Kubitschek e outros vultos marcantes da história recente do Brasil, ao lado do padre, do prefeito, do operário comunista e de outros anônimos moradores da pequena Remanso, que da sua simplicidade observam desenrolarem-se os acontecimentos, os dramas e as tragédias de todo um século: do levante dos tenentes no Forte de Copacabana ao lançamento do primeiro satélite artificial da Terra; passando pela revolução de 1930; o surgimento do avião como meio de transporte; a popularização do rádio e da TV transformando a comunicação de massa; o movimento constitucionalista de São Paulo; os levantes comunista e integralista de 1935 e 1937, respectivamente; a guerra civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial, com a participação da FEB nesse conflito; a criação do Estado de Israel; a derrota da seleção brasileira de futebol frente ao Uruguai; a Guerra Fria; o suicídio de Getúlio; a construção de Brasília e o Brasil campeão mundial de futebol. O século passa com a rapidez de um filme que envolve o espectador e conquista por todo o tempo a sua atenção.

O autor testemunhou os fatos que lhe são contemporâneos e com eles compõe sua narrativa, o que lhe permite transmitir a experiência de um observador privilegiado, capaz de prestar seu depoimento na qualidade de quem realmente viveu para poder contar. Os fatos reais estão enriquecidos pela criação literária, mas são expostos como realmente aconteceram.
Com Bravos companheiros e sua simbólica Remanso, Jurandyr Noronha dá vida ao axioma de Tolstoi: se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia.