A tradição fenomenológica possui uma relação bastante peculiar com o problema da ciência e da técnica. Se considerarmos pura e simplesmente a compreensão inicial de Husserl da fenomenologia como “psicologia descritiva das vivências” puras, é possível que tenhamos dificuldades de entender em que medida fenomenologia pode ter alguma relação com a técnica ou com algo assim como o que Heidegger chamou de “o mundo da técnica”. Essa estranheza se dissipa, porém, na medida em que passamos a considerar o problema do sentido como um problema fenomenológico de base. Por um lado, é claro que a fenomenologia procura pensar a partir de uma descrição direta e imediata da experiência imanente da consciência, restringindo-se antes de tudo ao movimento de auto-constituição dos objetos correlatos no interior de uma tal experiência. Por outro lado, porém, a própria possibilidade de uma tal restrição assenta-se sobre estruturas pré-compreensivas, sobre sentidos originários no interior dos quais a consciência já sempre se movimenta. Quer pensemos no mundo da vida do Husserl tardio, no mundo fático sedimentado historicamente determinado do Heidegger de Ser e tempo ou na carne como ponto de entrecruzamento dos direcionamentos do mundo em Merleau-Ponty, há sempre uma remissão aqui para elementos que se encontram junto à experiência do homem, mas que abrem espaço para a percepção cada vez mais clara do tempo histórico como horizonte de sua realização. A técnica, assim, na medida em que aponta para o campo de sentido historicamente demarcado, sobre o qual a vida do homem contemporâneo se estrutura, vai paulatinamente despontando como um tema central no interior da fenomenologia, um tema que coloca em jogo antes de tudo o caráter mesmo da ciência e nosso modo de relação com a natureza. Assim, a escolha do tema da ciência e da técnica em sua relação com a fenomenologia se revelou como um instante feliz que propiciou toda uma série de ricas discussões agora reunidas no presente volume. Em meio à riqueza dos modos de abordagem do problema, o leitor encontrará uma possibilidade de acompanhar as várias faces do problema da ciência em sua relação com a técnica e com a natureza.