Heiner Müller, um dos mais importantes dramaturgos do século XX, nunca deixou de estar em evidência nas últimas décadas e, paralelamente a seu trabalho no teatro, destacou-se por suas declarações irreverentes e posições políticas e culturais iconoclastas: tanto sobre a história alemã, a divisão do país e a Guerra Fria, quanto sobre o fim da República Democrática Alemã e a unificação. Muito embora sua obra dramática e literária contenha numerosos traços biográficos, pouco se sabia sobre a vida pessoal deste autor que viveu os últimos meses da guerra como jovem recrutado à força, assistiu cheio de esperança ao nascimento da "República de operários e camponeses" no Leste da Alemanha e revolucionaria o teatro da segunda metade deste século a partir de Berlim Oriental, onde escolheu viver, em grande parte "porque Brecht estava lá".

Simultaneamente, é um documento único, um testemunho pessoal, sarcástico ao extremo, amargo mas extremamente vital, e que seria por vezes incompreendido ou até rejeitado, documento portanto armado com aquela percepção de quem sempre foi um "excluído de dentro" do aparelho cultural da RDA, enfim, um relato fundamental também sobre a história de uma utopia derrotada na "outra" Alemanha.