Um livro para ler, reler e ter sempre por perto
Alcir Santos de Oliveira
Este livro veio para ficar, graças não só quanto aos temas abordados, mas devido a qualidade do texto. Oferece uma vantagem que o afasta dos textos efêmeros e aproxima das grandes obras literárias: pode ser lido e interpretado de vários ângulos. O vasto painel que funciona como pano de fundo é um país devastado pela corrupção e pelos sucessivos golpes de estado, gerando os efeitos perversos a que estamos mais do que acostumados, afinal a Nigéria que a autora nos apresenta não é, na essência, diferente deste Brasil varonil. Assim, os ricos ficam mais ricos, as escolas públicas, em todos os níveis, abandonadas, professores ameaçados, salários atrasados e todo um conjunto de coisas já sobejamente conhecidas, especialmente a miséria que se espalha por todos os lados.
Um aspecto que me atraiu demais foi a forma sutil com que Chimanda Adichie trata a questão da violência na família, ainda que o fato narrado seja de brutalidade extrema, como, por exemplo, quando o pai queima aos poucos, com água fervente, os pés dos filhos, uma forma de puni-los pelo fato de haverem dormido sob o mesmo teto que o avô, um homem que se recusou a aceitar o catolicismo e se manteve fiel ao seu credo ancestral. Cenas que tais, na maioria das vezes decorrentes do fundamentalismo católico do pai de Jaja e Kambili, são comuns no texto, não só com os filhos, mas sobretudo com a mulher. Não menos impactante a forma como a mulher, maltratada e submissa, envenena, lentamente, o marido.
O contraponto a esse homem muito rico, Eugene, fundamentalista católico, capaz de gestos constantes de práticas caridosas, com pessoas e instituições, mas incapaz de aceitar o pai ou propiciar um mínimo de liberdade aos filhos, a exemplo de assistir televisão e ouvir música, isolando-os dos colegas, é a irmã Ifeoma, professora universitária, viúva, mãe de três filhos, criados com respeito e liberdade. Quando Jaja e Kambili vão passar alguns dias em casa de Ifeoma, longe do conforto suntuoso a que estão acostumados e tendo que aceitar a vida simples e difícil da tia e dos primos, algo se rompe dentro deles. Uma espécie de choque entre dois mundos, semelhantes na aparência, opostos no fundo, põe os adolescentes a pensar, questionando comportamentos e valores, ao tempo em que tentam administrar o confronto interno. Com a morte de Eugene, o Papa, o milionário, dono de fábricas e propriedade, a família toma conhecimento do lado sujo de um homem que se dizia o guardião da moral e dos bons costumes. Excelente!
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