A epígrafe de Clarice Lispector que abre este livro não poderia ser mais sugestiva: “Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém, provavelmente a minha própria vida.” Para Aleksander Henryk Laks, sobrevivente do Holocausto, a narrativa é, acima de tudo, uma forma de continuar vivo. Com uma ressalva importante: não se trata de salvar a si próprio, mas de avivar os outros. A narrativa chama os jovens para a vida.

Há décadas, novas gerações de estudantes se reúnem ao redor do “Seu Laks”, como é carinhosamente chamado, para ouvir seu testemunho, nas incansáveis palestras que faz em instituições de ensino. A história que ele conta é a da destruição do humano; mas, ao transformar o passado em palavras, no presente, implica os jovens na reflexão crítica sobre o seu próprio tempo e os encoraja a defender a vida contra as barbáries contemporâneas.

Num desses encontros auspiciosos, Aleksander Laks iniciou uma amizade com Samanta Obadia, que resultou neste livro sob a forma de diálogo. A memória se dinamiza no vai e vem da conversa. Perguntas e respostas se alternam em ritmo ágil. Samanta interpela, opina, pede esclarecimentos, retoma episódios que lhe parecem incompletos, discorda, volta a perguntar, e interrompe por diversas vezes o fluxo da conversa para inserir verbetes explicativos de termos da cultura judaica e de certos fatos históricos mencionados rapidamente por Laks. A todas estas investidas ele responde com uma prosa seca, direta, sem rodeios, que toca o mais elementar da experiência. É, sobretudo, na captura de detalhes aparentemente banais que a força do relato se concentra. Aproximamo-nos de perdas incomensuráveis pela descrição de uma colcha verde de veludo, jamais recuperada da casa da infância na Polônia. Aproximamo-nos do corpo em sofrimento, pela presença material de um copo d´água, que todas as noites é colocado sobre a sua cabeceira antes de dormir - tentativa pungente de aplacar uma sede herdada dos campos de concentração e que nunca o abandona.