O ourives Cardillac e a Senhorita de Scudéry (1819/21), de E. T. A. Hoffmann (1776-1822), entretece a loucura, o crime e a arte do protagonista René Cardillac. Os roubos das requintadas joias fabricadas pelo ourives, aliados a misteriosos assassinatos, amedrontavam a Paris do século XVII. Devido ao verso incauto pronunciado na corte de Luís XIV, a carismática escritora Scudéry é levada a conduzir as investigações relacionadas à série de crimes.

Essa literatura se coaduna com o debate instaurado por Victor Hugo no “Prefácio de Crowell” que postulava a combinação do sublime ao grotesco, uma vez que ambos estão entrelaçados na vida e na criação dramática: o homem converge em si conflitantes naturezas como a terrível e a cômica, às vezes ao mesmo tempo. De convicção semelhante, este conto longo projeta na ficção estilizada a complexidade das feições humanas. Comprovando a suscetibilidade da literatura de Hoffmann ao diálogo moderno e intermidial, o erudito Paul Hindemith se inspirou neste texto para compor uma fusão literário-operística com a ópera “Cardillac”.