Com este livro, O saber à flor da pele: três ensaios psicanalíticos sobre a adolescência, Daniela Viola enriquece, com uma contribuição excepcional, o campo de
produção teórica sobre a adolescência na psicanálise.

Instigada pela evidência clínica de que,no tempo da adolescência, há uma alteração na relação do sujeito com o saber, a autora analisa a transformação essencial
que ocorre no âmbito do pensamento no “momento-limite conceitual”. Para realizar essa investigação, a autora parte da conexão, estabelecida por Lacan, entre a
maturação do objeto a na puberdade e o acesso à formação dos conceitos. Com essa chave de leitura, Daniela tece um rico percurso teórico na psicanálise, sobretudo
nas obras de Freud e de Lacan, recorrendo ainda aos campos da Educação, História,Antropologia e Arte.

A hipótese de que há uma operação que articula um vazio, resultado do confronto com o real do sexo que desponta na puberdade, com a incidência de um saber enigmático, sustenta esse trabalho de escritura, que enlaça os âmbitos teórico e clínico. Os temas do saber, do pensamento e do conceito na obra de Lacan são rigorosamente trabalhados pela autora,para demonstrar a função do pensamento lógico na passagem adolescente e como essa passagem está atrelada ao laço social, a autora percorre os caminhos do saber na adolescência em diferentes contextos sociais.

Daniela Viola nos brinda com uma rica abordagem histórica e antropológica da adolescência, demonstrando que nas sociedades tradicionais não há, propriamente, adolescência: “Nesses contextos,a cultura forja e prescreve os mecanismos simbólicos balizadores dessa transição e da transmissão geracional do saber, especialmente sob a forma dos ritos de passagem”. Assim, ela analisa a função subjetiva desses ritos, destacando, nos instrumentos prescritos pela tradição, o
caráter sacrificial sustentado pela operação de separação que viabiliza a reinscrição do sujeito no Outro pela mediação de uma falta. A autora postula que a passagem adolescente não se dá sem um salto no plano do pensamento, um salto lógico propulsionado por uma falta no corpo que vai possibilitar ao sujeito lidar com essa dimensão do saber inerente ao real que irrompe na puberdade.

Como ficam as condições dessa passagem na cultura atual? Enquanto nas sociedades tradicionais o tratamento do gozo que desponta na puberdade é operado pelo
laço social e o rito propicia a inscrição do jovem no Outro, as sociedades modernas e hipermodernas não contam com esse instrumental, conclui a autora. A clínica
na contemporaneidade, marcada pela inconsistência do Outro, testemunha as dificuldades dos jovens de realizar o trabalho psíquico da adolescência.

Numa época em que o uso constante das tecnologias digitais interfere nas relações dos sujeitos com o saber, a autora reforça a importância da presença humanizada
que reconheça o singular que se manifesta, por vezes, de modo perturbador, caótico, sintomático. Esse reconhecimento por parte do Outro pode fazer borda, cingir o pulsional, legimando um “saber-fazer com isso” que extravasa do corpo e faz furo no sentido.

Assim, este livro se impõe como fundamental para aqueles que se dedicam a escutar os jovens de hoje, acompanhando-os em seu trabalho de tessitura de um
saber em torno do mais intraduzível de si.