"A arte perdeu seu imposto criador básico no momento em que se separou do culto. Ela cortou um cordão umbilical e leva agora uma vida estéril, gerando-se e degenerando-se. No passado, o artista permanecia ignorando e sua obra existia para a glória de Deus. A capacidade de criar era um Dom", escreveu Ingmar Bergman na introdução do roteiro de O sétimo selo.
Segundo Melvyn Bragg, escritor e radialista inglês, diretor de programas de arte da televisão londrina, o filme é uma tentativa do diretor sueco de manter um vínculo entre criação e culto e uma ligação entre o século XX, a Idade Média e o Novo Testamento. Bragg é autor da análise crítica de O sétimo selo, primeiro volume da Coleção ArteMídia – lançada pela Editora Rocco. Cinéfilo e apaixonado pela obra de Bergman, ele considera o diretor um dos dez cineastas magistrais do século. "E uma das marcas de seu gênero é a intensidade da que só se pode chamar de visão da vida. Esta pode ser insuportavelmente desoladora, embora redimida pelo estoicismo em Luz de inverno; pelo erotismo em Mônica e o desejo; pelo feminismo e a ternura em Gritos e sussurros; ou pela religião, numa linha que o leva de volta ao O sétimo selo, seu filme mais conhecido e talvez o mais influente", afirma Bragg.
No livro, o autor desenvolve questões conceituais em torno do filme, conta a revelação artística de Bergman aos 22 anos e passagens de sua vida profissional, mencionando traços marcantes da personalidade do diretor. Boemia, paixões arrasadoras, depressões, obsessão pela arte e úlceras reais e imaginárias desde a juventude compõem um retrato singular e comovente de um gênio do cinema. Em entrevista a Bragg, no ano de 1978, Bergman revelou-lhe que desde que viu seu primeiro filme, aos seis anos, ficou completamente apaixonado. E quando o irmão, no Natal, ganhou um projetor de presente, o pequeno Ingmar comprou imediatamente a máquina, pagando com sua coleção de soldados de chumbo. "Dei-lhe todo o exército", conta ele.
"Utilizo meus filmes para encarar meus temores pessoais. Tenho medo da morte. Ela está presente o tempo todo nesse filme e todo mundo no filme reage de modo diferente à morte. Depois do filme eu ainda penso na morte, mas não é mais uma obsessão", afirma Bergman. O sétimo selo foi seu sétimo filme, rodado em 1957. Na época, ele já havia escrito dezenas de roteiros, peças radiofônicas e 23 peças teatrais.
Outro aspecto fascinante que o livro aborda é o carinho do diretor pelos atores e o valor da confiança reinante na equipe. "Às vezes um milagre acontece diante da câmera. Se você está bem perto das pessoas ao redor da câmera e há uma atmosfera de confiança – confiança real –, de repente alguma coisa acontece diante da câmera, e isso é a coisa mais bonita que existe", revela o diretor.
Bragg abre espaço para que Bergman dê uma pequena aula de cinema. "Mesmo nas cenas mais trágicas deve haver uma certa alegria, uma certa sensualidade. Se não, o filme fica tedioso. Quando rodo o filme, eu já tenho planejado como é que vou montá-lo", diz o diretor, para quem a arte é como uma gripe, um vírus. "Eu preciso estar envolvido... todo mundo no estúdio tem de estar contaminado pelo vírus. O que eu quero são pesssoas de altos padrões e integridade que gostem de participar do jogo comigo", conclui.