Numa das tantas definições enciclopédicas da onça diz-se que “é um animal crepuscular e solitário”. Basta ler-se a frase pensando na criatura – Amigo-da-Onça – e no seu criador – Péricles de Andrade Maranhão. Para entender as vírgulas, reticências, exclamações, interrogações de sua vida, e, sobretudo, seu ponto final. Em agosto deste ano, completa-se um século do seu nascimento. Abdicou de viver e continuou rei de si, quando contava menos de 40 anos (37). Foi com pouco mais de 40 (44) que o poeta Paulo Leminski disse adeus ao mundo. Também neste agosto ele completaria 80 anos. Dois exemplos de sucesso midiático; e de virtude, no sentido aristotélico do termo.

Numa leitura lúdica dos números, pode-se pensar em Paulo Leminski como uma espécie de lemniscata dupla. A curva, a cinta de uma obra tão fecunda quanto interminável, pois, entre suas qualidades está a de suscitar todo o tempo um diálogo com o leitor. Uma interação infinita, dentro de outra forma de Infinite Jest.

Tão dado a jogos de palavras, ao humor, à provocação, ao chamamento à imaginação e à liberdade, Leminski transcendeu Curitiba. De modo similar, Péricles extrapolou o Recife. Eram apegados às províncias onde nasceram, mas se opunham ao provincianismo.

O humor – de um poeta/compositor/romancista e de um artista gráfico – dá o tom desta edição. Ou os tons, os humores, singulares e plurais. A partir da evocação de Péricles, podem as novas gerações redescobri-lo, principalmente os interessados na história do cartum no Brasil. Com a invocação de Leminski, tem-se o reencontro de um lirismo que consegue combinar o poema-piada ao modo modernista com o Concretismo e a canção popular.

Paulo Leminski e Péricles de Andrade Maranhão exemplificam a cordialidade brasileira. Mestiça, sincrética, contraditória, ambivalente. Percorrer suas obras significa mais do que encontrar os autores do Amigo da Onça ou do Catatau: é compreender um pouco melhor o Brasil.