TRANSITOS COTIDIANOS: PASSAGENS POR UM...2018-2019)
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OBJETO
DE DESEJO
Que viva Changó, que viva Changó señores!, cantam Celina e Reutílio, enquanto leio estas páginas.
Posso ouvir, com sua vela acesa e seu incenso de canela, cravo e maçã, Lívia, uma venezuelana que se amineira, cantando e pedindo justiça ao orixá iorubano no dia de Santa Bárbara.
Este estranhamento entre os diferentes cruzos na diáspora africana, no qual, na santería, Changó é celebrado no dia em que, em nossas terras, saudamos Iansã, mostra que a maneira pela qual a divindade nagô traçou sua estratégia de sobrevivência em meio ao rolo compressor colonial não foi se inflamar na fogueira de João nem empunhar a chave de Pedro ou sentar ao lado do leão de Jerônimo.
Sango, sobrevivente nas encruzilhadas das colônias espanholas, deveio mulher, deveio guerreira, empunhou os raios e trovões de Bárbara para persistir lançando o aché com seu machado de duas faces!
Digo isso porque a filósofa-cronista, autora desse livro, poeta-historiadora, resplende a chama da vela que acendeu no dia 04 de dezembro em Caracas e nos inebria, lucidamente, com o doce aroma das especiarias tão caras, em todos os sentidos, pelos colonizadores.
Lívia Vargas, com sua escrita que é também raio e trovão, nos mostra o real em sua oscilação, de uma Venezuela que escapa aos discursos brasileiros de direita ou de esquerda, que insistem em manter a perspectiva dualista, pois as vidas singulares sempre lhes importou menos do que as tomadas políticas de posição.
Lívia, uma vivente, uma sobrevivente, uma retornante, uma exilada, tão próxima e distante de nós, tão distante e próxima de sua terra, nos dá esse presente escrito que nos sacode, porque precisa sacudir, como uma espécie de contra-sacudón, nossas estruturas de compreensão do outro para que seja possível uma sincera abertura à singularidade dessas experiências que ela nos traz.
Como diz Thamara Rodrigues no prefácio destes trânsitos, o leitor precisará de fôlego e sensibilidade para acompanhar Lívia nessa caminhada tão sua, pelas ruas de sua cidade, em seu cotidiano, em suas experiências. Por essas linhas, enfim, tão intraduzíveis quanto incompartilháveis, de tão suas, e que precisam também ser tão nossas, por justiça.
Que viva Changó!
Rafael Haddock-Lobo