O mundo interior – e exterior – de Wanda Pimentel
Livro-arte reúne pela primeira vez a obra completa da artista plástica, uma das mais importantes da geração dos anos 1960
Wanda foi uma menina tímida. Mais propensa a ouvir do que a falar. Mais interessada ainda em olhar. Muitos anos depois, a artista plástica Wanda Pimentel continua um pouco tímida. Só que o olhar se tornou muito mais aguçado. É pelo olhar que absorveu o mundo (o seu e o dos outros) e o transformou em arte – que agora está reunida em livro pela primeira vez. A editora Silvia Roesler – há 15 anos especializada em livros de arte brasileira – lança Wanda Pimentel uma abordagem abrangente da obra de uma das mais importantes artistas de sua geração, ao lado Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Lygia Pape, Antonio Manuel, Raymundo Collares, Antonio Dias (com patrocínio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura).
“O livro é um registro extenso da obra de Wanda Pimentel, com mais de 250 reproduções, visando a documentação histórica de todas as fases de sua produção, até o presente”, explica Silvia Roesler. A edição tem um texto crítico e uma longa entrevista, feitos pelo historiador e crítico de arte Frederico Morais, e uma biografia completa de Vera Beatriz Siqueira, curadora e professora de História da Arte na UERJ. O livro – capa dura, 288 páginas e formato 31cm x 25cm – atravessa um percurso com início na década de 1960 e uma longa sucessão de séries bem definidas, claramente interligadas no processo artístico de Wanda Pimentel. “Quando uma série se esgotava em mim, ela simplesmente acabava. Mesmo que tivesse produzido poucas peças. É assim com as pessoas, com a vida: surgem de repente... e passam”, explica Wanda, de um jeito bem seu.
O livro desenvolve o caminho da artista: tudo é sempre muito pessoal – e parte de dentro para fora. Inicia percorrendo espaços do interior da casa, mostrando partes do corpo humano envoltas em objetos do cotidiano que gradativamente tomam conta do espaço (uma visão do mundo mecanizado, impessoal e opressivo) na Série Envolvimento que se desenvolve até o início dos anos 1970, o mundo visto pelo lado de dentro. Sempre atenta ao que passa despercebido ao nosso olhar, alcança as ruas com a Série Bueiro e em seguida a Série Portas, atravessado fronteiras, caminhando para o exterior na Série Montanhas do Rio – onde a natureza é vista através de janelas, ao longe.
Já nos anos 1980, uma ruptura coloca-se no caminho: “A cor sumiu e eu não senti falta dela”, diz Wanda. “Comecei a querer limpar o trabalho, fazer com que as pessoas tivessem mais dificuldade em entender a obra e, ao mesmo tempo, deixar que se encarregassem de ‘terminar’ o trabalho com seu olhar”.
Segue, já nos anos 2000, com a Série Animais – escaravelhos, serpentes, moscas, formigas, mostra “a poesia e o mistério de seres estranhos, repulsivos e desprezados”. A Série Invólucro nos anos 1990, “por onde o vazio entra e procura a forma de se concretizar escondendo”, escreveu Wanda sobre este trabalho, se desdobra na Série Linhas, onde retas são cortadas “por escadas que levam a lugar nenhum” exposta em 2010 no Rio de Janeiro.
“Não pré-concebo o trabalho. Ele vai indo. São sempre séries pequenas e é sempre doloroso”, confessa a artista, que finalizou agora uma Série (ainda inédita): Memórias, construída de forma emocionada. São 13 caixas com objetos ligados ao seu cotidiano íntimo e a sua família. Em cada uma das caixas, uma cena que fez parte de sua história – agora reunidas nas páginas do livro.